Injeção de Dependência em Scala - Parte 2

Scala no Elo7

Antes restrito basicamente às áreas de Data Science e Data Engineering da empresa, o uso de Scala está sendo expandido para outras áreas de backend aqui no Elo7 em 2019. Como compartilhar conhecimento faz parte do nosso DNA, iremos realizar posts contando as experiências que temos com a linguagem e um pouco sobre como resolvemos diferentes situações que aparecem no dia-a-dia.

Recapitulando

Na primeira parte, introduzimos o problema da injeção de dependência, e como podemos resolvê-lo em Scala usando o já consagrado Guice, da Google. Até o momento, nosso código está assim:

case class UserInfo(account: String, password: String)

trait UserService {
    def getUserInfo(account: String): UserInfo
}

class UserServiceComponent extends UserService {
    override def getUserInfo(account: String): UserInfo = UserInfo(account, "123")
}

trait  LoginFacadeT {
  def  login(account: String, password: String):  Boolean
}

class LoginFacade @Inject()(userService: UserService) extends LoginFacadeT {
    override def login(account: String, password: String): Boolean = {
        userService.getUserInfo(account).password == password
    }
}

class HomeController(facade: LoginFacadeT) {
  def autenticarUsuario(usuario: String, senha: String): String = {
    if (facade.login(usuario, senha)) {
      s"Olá, $usuario"
    } else {
      "Erro de login"
    }
  }
}

class DependencyInjectionWithGuiceModule extends AbstractModule {
    override def configure(): Unit = {
        bind(classOf[UserService]).to(classOf[BasicUserService])
        bind(classOf[LoginFacadeT]).to(classOf[LoginFacade])
    }
}

object DependencyInjectionWithGuice extends App {
    val injector = Guice.createInjector(new DependencyInjectionWithGuiceModule())
    lazy val loginFacade: LoginFacadeT = injector.getInstance(classOf[LoginFacadeT])

    val homeController = new HomeController(loginFacade)
    println(homeController.authenticateUser("Rodrigo", "123"))
}

Nosso código está correto, mas não parece muito funcional e o setup do Guice é verboso. Nessa segunda parte, iremos conhecer uma biblioteca em Scala chamada MacWire, que abstrai toda essa lógica e nos fornece uma API simples para trabalhar com injeção de dependência. Além disso, iremos conhecer o Reader Monad (utilizando a biblioteca cats).

MacWire

A programação funcional traz consigo novas formas de pensar na solução de vários problemas já resolvidos na OOP, mas a transição do pensamento orientado a objetos para o pensamento funcional não é tão simples. Bibliotecas como o MacWire ajudam nessa transição, possibilitando que o programador continue utilizando padrões já conhecidos mas de uma forma mais simples, suportada pelo ecossistema do Scala.

Para utilizar o MacWire, temos que adicionar a seguinte biblioteca às nossas dependências:

libraryDependencies += "com.softwaremill.macwire" %% "macros" % "2.3.3" % "provided"

Vamos começar pela classe LoginFacade. Como não estamos mais utilizando o Guice, o uso da annotation @Inject no construtor da classe não é mais necessário.

class LoginFacade (userService: UserService) extends LoginFacadeT {
  override  def  login(account: String, password: String):  Boolean  = {
    userService.getUserInfo(account).password == password
  }
}

Também podemos remover a classe DependencyInjectionWithGuiceModule e, somente para facilitar a identificação, criaremos uma nova classe, chamada MacWireInjection, que será o entrypoint da nossa aplicação.

Diferentemente do Guice, em que precisamos registrar os tipos concretos a serem mapeados pelas nossas interfaces, no MacWire essa identificação é feita de uma forma um pouco mais automática. Só precisamos criar uma classe (ou object, neste caso) onde instanciamos os tipos concretos que queremos carregar na nossa aplicação. Chamaremos a nossa classe de Runtime.

object Runtime {
  val userService: UserService = new UserServiceComponent()
}

Tudo o que temos que fazer agora é um import dessa classe dentro da nossa classe principal, e colocarmos uma chamada ao método wire, do próprio MacWire.

object MacWireInjection extends App {
  import com.softwaremill.macwire._
  import Runtime._

  lazy val loginFacade = wire[LoginFacade]
  lazy val homeController = wire[HomeController]

  println(homeController.autenticarUsuario("Rodrigo", "123"))
}

Mas como isso funciona? Vamos lá!

import Runtime._

lazy val loginFacade = wire[LoginFacade]
lazy val homeController = wire[HomeController]

Como dito anteriormente, o MacWire detecta automaticamente os tipos que precisam ser injetados. Ao importar o object Runtime, definimos que a instância da trait UserService que devemos usar ao construir a classe LoginFacade é do tipo UserServiceComponent e, ao declararmos uma instância da classe LoginFacade logo acima, indicamos que ela deve ser usada na classe HomeController.

Se juntarmos todas as peças alteradas do nosso código, ele fica assim:

case class UserInfo(account: String, password: String)

trait UserService {
    def getUserInfo(account: String): UserInfo
}

trait LoginFacadeT {
  def login(account: String, password: String): Boolean
}

class LoginFacade (userService: UserService) extends LoginFacadeT {
  def login(account: String, password: String): Boolean = {
    userService.getUserInfo(account).password == password
  }
}

class UserServiceComponent extends UserService {
  override def getUserInfo(account: String): UserInfo = UserInfo(account, "123")
}

class HomeController(facade: LoginFacadeT) {
  def autenticarUsuario(usuario: String, senha: String): String = {
    if (facade.login(usuario, senha)) {
      s"Olá, $usuario"
    } else {
      "Erro de login"
    }
  }
}

object Runtime {
  val userService: UserService = new UserServiceComponent()
}

object MacWireInjection extends App {
  import com.softwaremill.macwire._
  import Runtime._

  lazy val loginFacade = wire[LoginFacade]
  lazy val homeController = wire[HomeController]

  println(homeController.autenticarUsuario("Rodrigo", "123"))
}

Utilizando o MacWire, nosso código fica bem mais simples de ser entendido! Mas e se quisermos deixá-lo mais funcional? É aí que entra o Reader Monad!

Reader Monad

Se você está lendo este post, é bem possível que já tenha cruzado algumas vezes com a palavra Monad. Sentiu aquele arrepio na espinha? Pois é, todos nós já sentimos. Como o objetivo aqui não é explicar o que são monads - precisaríamos uma série de posts só para isso -, vamos pensar em um Monad como sendo uma caixa que armazena valores gerados por uma determinada operação e possui alguns métodos que permitem manipulá-los - se você pensou em métodos como map e flatMap, pensou certo. Como Monads são mais um conceito que uma implementação propriamente dita, podemos ter diferentes Monads para resolver diferentes problemas.

No Scala, usamos Monads o tempo inteiro sem perceber. Quer exemplos?

Monad Para que serve?
Option[T] Operação que pode ou não retornar um valor
Try[T] Armazena o retorno de uma operação que pode ou não lançar uma exceção
Either[A, B] Utilizado quando uma determinada função pode retornar dois estados. Geralmente A representa um estado de exceção e B, de sucesso

Com esse conceito em mente, vamos à definição do Reader Monad:

O Reader Monad representa uma operação que lê valores de um ambiente compartilhado e retorna um valor qualquer

Mas como ele resolve o problema de Injeção de Dependência?

Vamos olhar uma parte do código que fizemos acima, com o MacWire:

object Runtime {
  val userService: UserService = new UserServiceComponent()
}

object MacWireInjection extends App {
  import com.softwaremill.macwire._
  import Runtime._

  lazy val loginFacade = wire[LoginFacade]
  lazy val homeController = wire[HomeController]

  println(homeController.autenticarUsuario("Rodrigo", "123"))
}

Se refletirmos um pouco sobre o que é a classe Runtime, veremos que ela é nada mais do que um ambiente compartilhado onde colocamos a implementação do nosso UserService. Temos, então, as duas coisas necessárias para utilizar o Reader Monad: um ambiente compartilhado e uma operação que lê este ambiente (login, nesse caso). It’s a match!

Poderíamos fazer uma implementação do nosso próprio Reader Monad, mas isso deixaria este post ainda mais extenso. Para facilitar nossa vida, vamos usar a biblioteca cats, que já tem uma implementação do Reader Monad amplamente usada. Basta adicionar a seguinte dependência:

libraryDependencies += "org.typelevel" %% "cats-core" % "2.0.0-M1"

Pra começar, vamos criar a classe que vai representar este estado compartilhado:

case class LoginEnv(service: UserService)

Como estamos nos aproximando cada vez mais de conceitos de programação funcional, a partir deste momento vamos excluir as classes LoginFacadeT e LoginFacade pois, conceitualmente, já não faz mais sentido ter um Facade, já que não é mais a classe quem define as dependências necessárias para executar as operações e, sim, a nossa função. Como iremos criar uma classe que irá conter as operações relacionadas a autenticação, iremos chamá-la de AuthenticationOps

object AuthenticationOps {
  def login(userName: String, password: String): Reader[LoginEnv, Boolean] = {
    Reader[LoginEnv, Boolean] { loginEnv =>
      loginEnv.service.getUserInfo(userName).password == password
    }
  }
}

Nossa operação login, portanto, é uma operação que lê o ambiente compartilhado LoginEnv e retorna um valor booleano, indicando se a operação foi ou não executada com sucesso.

Lembra que falamos que Monads possuem métodos auxiliares, como map e flatMap, que permitem manipular seu valor de saída? Isso também acontece com o Reader Monad, e iremos tirar vantagem dessa característica para executar o que a classe HomeController (por enquanto, vamos manter este nome) faz no método autenticarUsuario.

object HomeController {
  def autenticarUsuario(userName: String, password: String): Reader[LoginEnv, String] = {
    AuthenticationOps.login(userName, password).map { isAuthorized =>
      if (isAuthorized) {
        s"Olá, ${userName}"
      } else {
        "Erro de login"
      }
    }
  }
}

Neste cenário, em vez de executarmos a operação para então gerarmos um resultado de saída, realizamos um map no retorno do método AuthenticationOps.login. Isso retorna, no final, uma operação que recebe dois parâmetros (userName e password) e retorna um ReaderMonad[LoginEnv, String], que ainda precisa de um ambiente LoginEnv para ser executado.

Finalmente, na classe principal da nossa aplicação, criamos o contexto com as instâncias que serão utilizadas e chamamos o método run do nosso Reader Monad.

object ReaderMonadInjection extends App {
  val loginEnvironment = new LoginEnv(service = new UserServiceComponent())
  val loginMessage = HomeController.autenticarUsuario("Rodrigo", "123").run(loginEnvironment)

  println(loginMessage)
}

Olhe o código final após essa última alteração. Apesar de ainda termos alguns conceitos de Orientação a Objetos (como as traits servindo de interface, por exemplo), já estamos bem mais próximos de como códigos funcionais são escritos no dia-a-dia. Gostou? No próximo post, iremos ver como implementar todo este comportamento utilizando apenas funções! Isso mesmo, sem bibliotecas dessa vez.